Aos gritos de “hexa, hexa, hexa”, os indianos da Sterlite celebravam o desempenho da empresa ao fim do último leilão de transmissão de energia da Aneel. A comemoração ecoava a conquista de seis lotes para construção de linhas e subestações de energia. O tamanho do feito ficou claro: numa disputa envolvendo R$ 6 bilhões em investimentos, os executivos da Sterlite deixaram a sede da bolsa de valores, na noite de 28 de junho, com a obrigação de tirar do papel R$ 3,6 bilhões.

 

Leilão da Aneel tem os 20 lotes arrematados, 6 pela Sterlite

Contando com esse leilão, a Sterlite já assumiu R$ 7 bilhões em investimentos para colocar em pé nove projetos no Brasil. A agressividade se tornou uma marca da empresa desde que ela começou a participar das disputas no Brasil, em abril do ano passado.

Nos leilões de transmissão, arremata a concessão a empresa que oferece o maior deságio, ou seja, o desconto em relação à remuneração anual máxima permitida para cada lote. Vence aquela que aceita receber a menor quantia para operar o projeto. Na última disputa, os deságios oferecidos pela Sterlite chegaram a 60,59% – a média geral foi de 55,26%.

A companhia, porém, rejeita o rótulo de agressiva. "Não achamos que somos agressivos nos leilões. Houve competidores fixando descontos acima de 70%", disse em entrevista ao G1 o presidente do grupo, Pratik Agarwal.

Atuando em infraestrutura desde 2009, a Sterlite dá o seu primeiro passo internacional no Brasil, país que compõe o "cenário ideal para qualquer empresa privada de transmissão", nas palavras de Agarwal.

 

"Escolhemos o Brasil como nosso primeiro mercado de investimentos fora da Índia pelo tamanho da oportunidade no país e pela necessidade de capital privado no setor de transmissões", afirmou Agarwal.

Na Índia, a companhia tem 15 projetos de transmissão e fabrica condutores e cabos de energia, exportados para mais de 40 países. A companhia tem hoje 35 funcionários no Brasil.

INVESTIMENTOS ACIMA DA RECEITA

Uma análise detalhada dos dados da empresa revela o tamanho do apetite da Sterlite. No ano fiscal que terminou em março de 2017 (dados mais recentes), a empresa teve um faturamento de 26,7 bilhões de rúpias, o equivalente a R$ 1,492 bilhão a câmbio atual. Mas só com as nove concessões arrematadas no Brasil, ela já se comprometeu a investir quase cinco vezes essa receita anual.

Questionada sobre esses números, a empresa diz que não mede seu progresso em receitas, mas em "ativos sob gestão" ou Capex (investimento na compra de bens). A companhia afirma que sempre usa uma relação entre dívida e capital próprio para viabilizar seus projetos e que a parte referente à dívida é financiada com empréstimos.

No fim do ano fiscal de 2017, os ativos totais da companhia somavam 38,2 bilhões de rúpias (R$ 2,149 bilhões).

GRUPO BILIONÁRIO
Mas a Sterlite não encampa um movimento competitivo à toa. A empresa tem origem no grupo Vedanta Resources, uma gigante indiana de recursos naturais que pertence à família Agarwal. A receita do grupo chegou a US$ 15,4 bilhões (R$ 61,6 bilhões) no ano fiscal de 2018. Foi um crescimento de 33% na comparação com o ano fiscal de 2017.

A Vedanta também já tem experiência em operações fora da Índia. O grupo atua nas áreas de óleo e gás, cobre, alumínio e energia na África do Sul, Austrália e Irlanda, entre outros.

 

BAIXO RISCO NO BRASIL

Há um fator adicional local que motiva a agressividade da Sterlite: o investimento em linhas de transmissão é bastante seguro no Brasil. A remuneração para a empresa responsável sai da conta de luz dos brasileiros, tornando um calote muito improvável.

"O risco de quebra de contrato é muito baixo, praticamente não acontece", afirma o presidente da consultoria Inter. B, Claudio Frischtak. "A maioria das pessoas só vai deixar de pagar se houver uma crise econômica muito forte, o que deixa o risco do investimento baixo."


E, de fato, a previsibilidade dos negócios é um dos pontos destacados pela companhia para aportar dinheiro na economia brasileira num momento de turbulência pela incerteza eleitoral.

 

"O fato de não ter havido um único calote nos últimos 20 anos (de sistema de concessão de linhas de transmissão), apesar dos desafios políticos, nos deixa confortáveis para fazer apostas altas no Brasil", diz Agarwal.

Outros dois pontos contribuem para que a Sterlite consiga assumir concessões com altos descontos na receita: tecnologia e um sistema inovador de financiamento.

"O principal (diferencial) é a sistemática moderna de financiamento: eles levantam capital através de fundos de infraestrutura que oferecem uma série de vantagens para quem investe", diz Thais Prandini, diretora da consultoria Thymos Energia.

A empresa levanta dinheiro por meio do fundo de infraestrutura IndiGrid, listado na bolsa de valores de Bombaim (BSE) e também na bolsa nacional da Índia (NSE). Ele é um Infrastructure Investment Trust (InvIT), uma categoria de fundos patrocinados por companhias que direciona recursos para projetos específicos e, em troca, se compromete a repassar aos investidores ao menos 90% de seu fluxo de caixa livre distribuível.

Quanto à tecnologia, Thais explica que o investimento estimado para realizar as obras é um teto. "Qualquer inovação e melhoria que a empresa faça no projeto, abre espaço para um deságio. E a Sterlite tem uma cadeia de fornecimento que ajuda na financiabilidade."

 

PARTICIPAÇÃO DE ESTRANGEIROS

A presença da Sterlite nos leilões de transmissão ocorre num cenário de aumento da participação de estrangeiros no setor. Em 2016 e 2017, a fatia de empresas de outros países ficou próxima de 25%, segundo levantamento do Grupo de Estudos do Setor Elétrico (Gesel), da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Entre 2009 e 2015, essa parcela não chegava a 10%.

 

"Agora, há no Brasil uma entrada muito agressiva de empresas indianas e chinesas. Em breve, vão vir as da Coreia do Sul, Taiwan", afirma o professor da área de estratégia e governança da Fundação Dom Cabral, Paulo Vicente.

O aumento do interesse estrangeiro pelas linhas de transmissão se deu depois de uma mudança nas regras para calcular a Receita Anual Permitida (RAP), remuneração máxima para operar as concessões, sobre a qual as empresas interessadas oferecem os deságios.

"A taxa de custo usada para calcular a RAP levava em conta taxas do BNDES (mais baixas), mas o banco não concedia financiamento para esses projetos. Em 2015, passaram a ser usadas taxas de mercado (mais altas), então a RAP ficou mais viável", diz Thais Prandini, da Thymos.

A partir daí a conta passou a fechar para as empresas. Mais altas por conta das taxas de mercado, as receitas se tornaram mais compatíveis com o custo para captar dinheiro para construir as linhas.

 

FUTURO DE MAIS INVESTIMENTOS

O próximo leilão de transmissão de energia da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) está marcado para dezembro, com investimentos previstos da ordem de R$ 15 bilhões. A indiana diz que vai continuar a olhar oportunidades no país, mas que por enquanto está focada em entregar o que já arrematou dentro do prazo.

Por ora, dos projetos conquistados nos leilões de abril do ano passado, o grupo já conseguiu as licenças ambientais e iniciou as obras das duas linhas de transmissão. Elas precisam entrar em operação em até 60 meses após assinatura dos contratos. Para a concessão arrematada em dezembro, os processos de licenciamento estão em "estágio avançado", segundo a empresa.


"Existe (no Brasil) uma forte estrutura contratual, incluindo longos períodos de concessão (30 anos), receitas protegidas da inflação (o que ajuda a diminuir os riscos) e licitações baseadas em leilões com dados previamente anunciados. Esses fatores, somados a um pipeline de US$ 30 bilhões (R$ 120 bilhões) de projetos no setor de transmissão nos deixam bastante animados com esse mercado", diz Agarwal.

Incluindo os R$ 7 bilhões previstos para o Brasil, a Sterlite planeja investir cerca de R$ 16 bilhões na América Latina nos próximos anos.