SÃO PAULO (Reuters) - Possíveis impactos da disseminação do coronavírus no Brasil têm levado alguns analistas a reduzir nos últimos dias estimativas para a carga de energia do país em 2020, ampliando cortes que já estavam no radar após um comportamento da demanda abaixo das expectativas no início do ano.
A comercializadora de eletricidade Esfera Energia trabalhava com projeção de alta de 3,1% na carga de energia neste ano, contra 4,2% em projeções oficiais do governo no final de 2019. Com o coronavírus, a empresa reduziu nesta semana sua expectativa para avanço de 2,4%.
Essa projeção ainda leva em conta que governos teriam sucesso em controlar a epidemia que tem se espalhado pelo mundo, com início de uma recuperação econômica em setembro, disse à Reuters o gerente de monitoramento estratégico da Esfera, Daniel Ito.
Se essa perspectiva não se concretizar, no entanto, com uma possível crise global, a carga poderia ter crescimento de apenas 0,5%.
"Em um cenário crítico, praticamente não teríamos crescimento", afirmou.
As projeções oficiais de carga (soma do consumo de energia com perdas na rede), elaboradas com apoio de técnicos do setor de energia, serão revisadas em abril.
Segundo cálculos da Esfera, apenas a revisão desses números com base no comportamento da demanda em janeiro e fevereiro e nas estimativas do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) para o ano já levariam a uma projeção de avanço de 3,1% na carga em 2020, abaixo da expectativa inicial.
"O Brasil parece que demorou para levar a sério. Agora caiu a ficha de todo mundo, até ontem (o coronavírus) era 'meme'. As indústrias de base certamente vão ser bem impactadas, exportadores principalmente. Mas está muito no calor ainda, é difícil mensurar impactos efetivos (por setor). Naturalmente haverá redução do consumo", disse o CEO da Esfera, Braz Justi.
EFEITO EM PREÇOS
A Energética Comercializadora de Energia trabalhava com expectativa de revisão para baixo de 200 megawatts médios a 300 megawatts médios nas projeções de carga para 2020, após um desempenho fraco no primeiro bimestre. Agora, ao introduzir na simulação o coronavírus, trabalha com cenários de queda de 500 megawatts a 1 gigawatt.
"Muitas empresas estão mandando os funcionários fazerem home-office, mas daqui a pouco começa a pegar na indústria. E aí haverá redução de consumo", disse o diretor comercial da empresa, Laudenir Pegorini.
Essa perspectiva, segundo ele, já começa a impactar negativamente os preços de contratos no mercado livre de energia, onde grandes consumidores, como indústrias, negociam diretamente o suprimento com geradores e comercializadoras.
"Desde o final do ano passado havia uma expectativa de crescimento (do PIB) e os consumidores adquiriram uma quantidade de energia a mais, cada um pensando na taxa de crescimento de sua atividade. Se ocorrer essa retração, é bem provável que haja sobras (de energia no mercado)", acrescentou.
Mesmo que os dados oficiais de previsão de carga do governo não apontem já em abril uma queda maior, é provável que estimativas mais pessimistas contaminem as próximas revisões, que ocorrem a cada quatro meses, disse o sócio-diretor da Ecom Energia, Paulo Toledo.
"O que deve acontecer sem dúvida é um reflexo na carga, certamente a gente deve ver nas próximas semanas uma piora. É natural, a doença está chegando agora ao Brasil. Naturalmente isso deve mexer com a economia. E pode impactar no preço da energia com a previsão de carga menor", afirmou.
A Esfera Energia afirmou que contratos de energia convencional no mercado livre para maio eram negociados na quinta-feira a cerca de 96 reais por megawatt-hora, contra 130 reais na terça-feira. O contrato para junho caiu a 145 reais, de 180 reais na terça-feira.
Contratos para 2021, que têm menos liquidez, também caíram, de 195 reais para 190 reais na semana, ainda segundo a Esfera.
In: R7