Depois de despencar mais de 10%, o consumo de energia no Brasil começa a retomar a níveis anteriores à crise do coronavírus. A recuperação pode reduzir a necessidade de novos reajustes nas tarifas para compensar o efeito da queda nas vendas sobre a receita futura do setor.
A crise levou o ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico) a ter que desperdiçar energia das grandes hidrelétricas da região Norte, que atingiram a plena capacidade justamente em um momento de queda abrupta na demanda por eletricidade no país.
“Pela primeira vez, tivemos à disposição todo o potencial do Norte. Concluímos a usina de Belo Monte, tínhamos 100% das usinas do rio Madeira e o sistema de transmissão estava pronto”, diz o diretor de Operação ONS, Sinval Zaidan Gama. “Mas, como teve redução da carga, acabamos ficando com muito mais energia disponível no sistema.”
Dados preliminares do operador apontam, porém, que, desde o fim de julho, o consumo vem ultrapassando os volumes verificados no mesmo período do ano anterior. Para agosto, a expectativa é de crescimento de 1,3%, na mesma base de comparação.
Gama diz que a temperatura mais elevada em julho ajudou a melhorar o consumo, mas o fator preponderante é a retomada das atividades econômicas com o relaxamento das restrições à circulação de pessoas.
“Tivemos em julho temperaturas superiores às de julho de 2019. Mas nós também monitoramos a questão do isolamento social e toda vez que o isolamento diminui numa certa região, a carga tende a voltar”, comentou o executivo.
Em abril, considerado o pior momento da crise, a demanda ficou 11,6% menor do que a verificada no mesmo mês de 2019. A queda nas vendas levou o governo a elaborar um pacote de socorro, com empréstimo de R$ 14,8 bilhões às distribuidoras de eletricidade.
A ajuda teve como objetivo garantir liquidez às empresas para o pagamento de seus contratos de compra de energia e de uso da rede de transmissão. Com menos receita, as distribuidoras se viram com dificuldades de caixa para cumprir os compromissos feitos nos últimos anos.
De acordo com dados da CCEE (Câmara Comercializadora de Energia Elétrica), o crescimento da demanda foi puxado pelos setores de saneamento, comércio, alimentícios e bebidas, que experimentaram em julho elevações superiores a 10% em seu consumo de energia.
A entidade calcula que, entre os dias 1 e 24 de julho, o consumo nacional de energia ficou apenas 1,2% abaixo do verificado no mesmo mês do ano anterior. Em abril, pelas suas contas, a queda na mesma base de comparação foi de 12,1%. A recuperação foi maior no mercado livre, onde estão os grandes consumidores, que cresceu 1,7% no período.
“Está diminuindo bastante o isolamento, muitas cidades estão abrindo, os shoppings voltando, ainda que com restrições e muitas atividades industriais retomando as operações”, comenta o professor Nivalde de Castro, do Gesel (Grupo de Estudos do Setor Elétrico) da UFRJ.
Dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) mostram que a produção industrial brasileira cresceu acima de 8% por dois meses consecutivos, puxada principalmente pela reabertura das fábricas de automóveis, um dos setores mais atingidos pela pandemia. Ainda assim, o desempenho está longe de retomar a perda de 26,6% dos primeiros meses de crise.
Para especialistas no setor, a retomada do consumo reduz o risco de novo tarifaço até o fim do ano, quando a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) deve começar a discutir pedidos de distribuidoras para revisão tarifária extraordinária para adequar os contratos ao novo cenário.
O empréstimo de R$ 14,8 bilhões antecipou às empresas recursos que seriam com o reajuste anual, este ano pressionado pelos efeitos do câmbio sobre as tarifas de Itaipu, pela entrada de novas linhas de transmissão e por maior gasto com subsídios. Sem o socorro, defende o governo, o reajuste médio das tarifas poderia superar os 12%.
Mas as distribuidoras de eletricidade querem também discutir os impactos futuros da crise em suas contas: com uma perspectiva de redução das vendas no longo prazo, precisam de tarifas maiores para cumprir seus contratos. As regras desse debate são hoje discutidas pela Aneel.
Castro lembra que uma retomada mais rápida minimiza essas perdas. “Consequentemente, pode não haver a necessidade de revisões tarifárias extraordinárias”, diz.
Segundo o MME (Ministério de Minas e Energia), houve grande redução também no nível de inadimplência do setor, o que ajuda a melhorar o fluxo de caixa das distribuidoras. Nos últimos 60 dias, o indicador de inadimplência ficou em 0,73%, bem abaixo da média de 2,4% registrada no primeiro semestre de 2019.
Desde o início da pandemia, a taxa está em 6,6% – até o início de junho, o indicador chegou a 8,4%, quase quatro vezes maior do que o normal. O ministério não avalia as razões para a queda da inadimplência ainda em um cenário de crise econômica.
Mesmo com o aumento da demanda, ainda não é possível dizer se o Brasil precisará acionar térmicas em um volume que justifique a retomada das bandeiras tarifárias cobradas na conta de luz, diz o diretor do ONS.
Segundo ele, o Brasil está usando no momento apenas aquelas térmicas inflexíveis, que não podem para de gerar, como as nucleares ou usinas a gás cujos contratos preveem uma operação mínima. O sistema está operando com cerca de cinco mil megawatts de térmicas, quase um terço do verificado em agosto de 2019.
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